Fica, pois, claramente demonstrado que o Verbo, que desde o principio existe com Deus, através de quem foi tudo feito, e que em todo momento esteve presente na linhagem humana, se uniu nos derradeiros tempos à sua própria criatura e se fez homem passível. Podemos, assim, afastar a objeção de quem alega que, “se Ele nasceu no tempo, segue-se que anteriormente não existiu”. Temos estabelecido que, nascendo, o Filho de Deus não começou a existir, mas sempre existiu com o Pai. Tomando nossa carne e fazendo-se homem, recapitulou em si a longa jornada da estirpe humana, obtendo para nós salvação de modo tão sumário, para que em Jesus Cristo recuperássemos aquilo que tínhamos perdido em Adão, ou seja, o sermos a imagem e semelhança de Deus.
… Ele veio para salvar, através de si mesmo, a todos; entenda-se a todos que dEle nascem para Deus, sejam crianças, meninos, moços, jovens ou anciãos. Por isso é que passou por todas as fases da vida: Fez-se criança para com as crianças, santificando a infância; fez-se menino entre os meninos, santificando os dessa idade, tornando-se-lhes exemplo de afeto filial, de probidade e obediência; fez-se jovem entre os jovens e modelo dos jovens, santificando-os para o Senhor; e assim também para os homens de mais idade. Assim pode ser para lhes iluminar cada idade da vida. Finalmente, sujeitou-se também a morte, para tornar-se “o primogênito dentre os mortos e ter a primazia em todas as coisas” (Cl 1.18), para ser o Príncipe da vida que a todos precede e encabeça.
… O verbo onipotente e genuíno homem, redimindo-nos a custo de seu próprio sangue, entregou-se a si próprio como resgate por nós, que tínhamos sido levados ao cativeiro. Desde que a Apostasia, isto é, o espírito rebelde, Satã, injustamente impôs-se sobre nós e, embora por natureza pertencêssemos ao Todo-Poderoso Deus, alienou-nos da natureza, fazendo-nos seus discípulos, o Verbo de Deus, poderoso em toda ordem de coisas e sem qualquer falha em sua justiça, agiu justamente, na sua luta contra o Apóstata, resgatando dele aquilo que lhe pertencia. Não por força, como Satanás, que desde o princípio assegurou sua tirania sobre nós, arrebatando insaciavelmente o que lhe não pertencia, mas por persuasão, ao modo divino, para conseguir o seu desejo. Desprezou a violência e empregou a persuasão, para que não fossem infringidos os princípios da justiça e, assim, não perecesse a criação original de Deus.
O Senhor pois nos remiu através de seu sangue, dando sua vida em favor da nossa vida, sua carne por nossa carne. Derramou o Espírito do Pai para que fosse possível a comunhão de Deus e do homem. Trouxe Deus aos homens mediante o Espírito, e levou os homens a Deus, mediante sua encarnação. Habitando entre nós, comunicou-nos a genuína incorruptibilidade, dando-nos comunhão com Deus…
Trecho de documento escrito por Irineu – bispo de Lion (130-202 d.C) – Retirado do livro Documentos da Igreja Cristã – H. Berrenson